Artigo de opinião
por Susane Teles Rocha
Receita para diminuir o bolo da fome
O sr. Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu
se eleger Presidente do Brasil. Parabéns! Ele está certo de que poderá arrumar
esta nação, apesar de os “pessimistas” acharem que ele vai é arruiná-la.
Acamado, “deitado eternamente em berço esplêndido”, o Brasil está na fila para
ser arrumado desde os tempos de colônia. E, se naquela época a intenção fosse
boa para com o país, teríamos hoje uma paisagem melhor, pois da fase de colônia
para cá houve investimento em vários setores, mas, com a série de abusos longe
de parar, as previsões são de um futuro ameaçador. Será que só a mudança do
Governo no país pode alterar alguma coisa?
Em 12 de setembro de 1993, Herbert de Souza
e Carla Rodrigues publicaram um artigo, “A Alma da Fome é Política”, que trata
de ética e cidadania, duas palavras já gastas pelo uso e sem sentido para hoje.
Quem não se lembra da odisséia do saudoso sociólogo Betinho? Suas campanhas,
cujo auge se deu por volta de 1993, baseavam-se na seguinte máxima: “A fome é exclusão. Da terra, da renda, do
salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa
chega a não ter o que comer, é porque tudo o mais já lhe foi negado”.
Hoje, em 2002, estamos falando do mesmo assunto agravado pelo descaso do
descaso. O que ofende qualquer ouvido, porque se trata de um tema antigo que
está sempre na “moda”, não só no Brasil como em outros países.
O artigo denuncia um apartheid, entre pobres e ricos, brancos e negros, separados
economicamente por uma política injusta que conduz aos socos e sopapos o
destino infeliz de uma nação jovem e não mais aguerrida como outrora. Quando
Betinho diz que a fome é exclusão de todos os direitos a que um cidadão tem, dá
o tom de lamentação pelas milhares de pessoas que mal sabem que no Brasil se
produz toneladas de grãos e que é o país do desperdício. Ou seja, enquanto uns
jogam no lixo seus excessos, outros catam desse mesmo lixo, a imundície para
suprir suas necessidades básicas.
Lula está herdando um país que passa fome. Em
suas campanhas ele viu em tantos olhos famintos a cor da fome, que não consegue
falar em outra coisa. O que é justo, pois passou pela fase da miséria. Hoje,
superada essa fase, quer garantir comida para milhares de pessoas. Fala-se de
um projeto “Fome Zero”, inicialmente para matar a fome de comida mesmo, e para
o futuro deverão ampliá-lo e adequá-lo às necessidades dos passa fome. Para isto, José Graziano, assessor de Lula
cotado para a Secretaria de Emergência Social, diz, em entrevista à Folha, que
“precisamos de todos os Betinhos” contra a fome. Como sempre, a sociedade tem
de se envolver, resolver aquilo para que já pagamos caros representantes, e estes, por má gerência, corrupção,
privilégios e irresponsabilidades, não conseguem tirar absolutamente nenhum
coelho da cartola. Ademais, a fina camada de solidários deste país deve dar sua
cota ao governo, socorrê-lo, de certo modo, distribuindo o pouco que se
consegue até cair em situação igual a dos que nada têm. Não importa o que se há
de fazer, mas não dá para acreditar que a força da foice desbastará esse
cenário agreste.
Quando Betinho
ainda estava vivo e fazia expedição contra a fome, já comemorávamos alguns
direitos assegurados pela constituição promulgada em 1988. Betinho morreu, e
ninguém assumiu seu posto com tanto empenho. Sociólogos ainda os há, e, a
propósito, temos aí para entregar o cargo, o então presidente Fernando Henrique
Cardoso, sociólogo. Por que será que ele não conseguiu matar a fome destes
miseráveis? Pode ser porque, quando se alimenta um coitado deste, o mesmo,
saciado e forte, reproduz outros mortinhos de fome e destituídos de
expectativas. Aí, não para nunca o processo, só a fome extinguindo o sujeitinho
para acabar o problema. Quantos mortos de fome não devem ter sumido do mapa? O
presidente é culpado? Não. Não há culpados, há sim desencontros, divergência de
opinião, muitos ministros, muitos senadores, muitos deputados, muitos
vereadores, muitos governadores e muitos prefeitos, que não perceberam que,
enquanto eles discutiam o destino do país, conforme suas ideologias, o povo se
multiplicava galopantemente, tanto quanto a miséria. Esse mesmo povo espera há
tanto tempo uma solução, que perdeu a pressa, e hoje só tem fome, decerto. Por
isso, o caso agora é de emergência.
Mas Lula é
especial, e espera-se que ele ajeite as coisas e sustente a indigência por pelo
menos quatro e, se ninguém o atrapalha, por oito anos. Quem sabe, ele tira os
fominhas das cinzas e os põe na lama, para refrescar do esturricamento? Nosso
futuro presidente diz que há pelo menos 20 soluções para acabar com a fome. Eu,
no intuito de colaborar, quero sugerir uma: que tal começar primeiro banindo
uma parte da sociedade, extremamente vergonhosa e desonesta, que há tempos leva
grandes vantagens no pagamento do ICMS? Trata-se dos proprietários de aeronaves
de pequeno porte, que por causa de um certo “Convênio” pagam somente 4% de
ICMS, na compra de aviões e peças para a manutenção dos mesmos. Isso a partir
de 1991, porque antes eram (creiam!) isentos deste imposto. O absurdo maior é
que esta cota simbólica é fixada por lei (Convênio ICMS 75/91).
O que acontece
neste país? Ah, sabemos direitinho o que acontece e como se produz tanta
riqueza e miséria em comum acordo. Sim, porque, ao que consta, enquanto um
cidadão comum paga 17% de ICMS, em qualquer produto no mercado, com um
diferencial dos produtos da cesta básica, um ricaço dono de avião paga uma taxa
simbólica protegido pela lei. E nós aqui em baixo rodando de ônibus lotado e
pagando 17% até por um picolé de rua que venhamos a consumir!
O descaramento
desta lei protecionista aos empresários poderia acabar se alguém pusesse a mão
nessa cumbuca. Dados do DAC (Departamento de Aviação Civil) constam um total de
10.610 aeronaves ativas no país. Estas voam livres e sem fronteiras, ostentando
a riqueza no céu e contribuindo com a miséria na terra. E agora Lula? Como
ficamos? O Senhor, que conhece as mazelas da pobreza, acha justo aquele que tem
tanto pagar essa cota? Vai pactuar com os empresários, como todos os outros
fizeram? Está dada a receita. Pelo menos lhe cabe, com sua autoridade,
questionar e se informar sobre esse convênio e vetar essa lei inescrupulosa. Aí
sim veremos alguma mudança! Talvez... O senhor possa apagar esta frase de Betinho, “A Alma da Fome
é Política”, tomando atitudes mais sérias que as de seus antecessores.
Eu, cá em baixo,
cito apenas um dos inúmeros casos tributários desajustados nesse país, e que a
maioria da população desconhece, afinal, quem está preocupado com os intocáveis
milionários que andam pelos ares? E como seria atingi-los? Visto que além de
serem donos do poder monetário (a grande maioria dos políticos são empresários
e bastante deles possuem aeronaves), são os próprios legisladores! Será que
apenas um desses magnatas estaria disposto a ser honesto e, convenhamos, propor
uma mudancinha nessa lei (Convênio ICMS 75/91) aumentando o pagamento de 4%
para 17% para todos ou baixando de 17%
aos 4% para todos? Não é justo? É
justíssimo! Ora essa, existe ainda seres humanos capazes de proezas! É que não
procuramos direito uai! Os legisladores
sabem as causas das desigualdades sociais, estudam-nas, promovem festas
caríssimas só para discutirem os GRANDES problemas do Brasil, mas o fato é que
não cogitam jamais bulir aos seus interesses. Por isso não deliberam, para nós,
povinho burro, (e o burro que perdoe a ofensa) o desenvolvimento, seguindo
todos os direitos a que um cidadão tem. E ao povo, desnorteado, em meio a
tantas barbaridades, não sobra fôlego nem para protestar. É triste constatar,
mas acho que a FOME traz a cegueira e a dormência coletiva. Só nos resta
acreditar num salvador da pátria...
Este artigo foi publicado em jornal local, quando Lula foi eleito Presidente da República!
Estou fazendo uma comparação das mudanças de lá para cá. Que trágico!
Por: Susane
Teles Rocha.